A morte da mãe boa demais. Parte 1. O nascer da intuição.

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“A intuição é o tesouro da psique da mulher” Clarissa Pinkola Estés

Nós mulheres temos uma habilidade inerente ao nosso feminino, de ver além daquilo que se é e saber o que um filho precisa, entender as intenções, mesmo sem saber. É a nossa intuição atuando. Mas por que nos sentimos desconectadas e muitas vezes não confiamos na nossa intuição?

A intuição é uma habilidade de percepção e, como toda habilidade, pode despertar em determinados períodos da vida, evoluir, modificar.

A intuição é uma percepção irracional, além da razão lógica de entendimento. Nós nascemos com ela e depois vamos aprendendo a pensar, raciocinar e a partir dos 12 anos, vamos desenvolvendo cada vez mais o pensamento complexo e tendo a razão como a principal maneira de olhar para a vida e tomar as decisões.

Ao mesmo tempo, o ego vai se estruturando pela relação com o outro. Isso significa que o indivíduo precisa do outro para se encontrar, se achar. Ela vai vivenciando uma transição da condição passiva de mundo para a condição ativa, em vários níveis.  E os pais precisam, gradativamente, fazer o processo inverso, “morrendo” da posição ativa e se colocando na posição passiva para que os filhos possam se desenvolver.

Só assim, chegará o momento que a busca por se achar não será mais pelos olhos do outro, mas começará a buscar sua identidade internamente, sua voz interior. E aí a intuição começa a aparecer. Tanto para filho, mas, muito mais para a mãe. É preciso deixar ir e lidar com a insegurança, medos e o novo.

A mulher intuitiva sabe que vivenciamos ciclos de morte vida e entende que é preciso deixar ir o que tem que ir. Isso também é um ato de se encontrar, de se ver e se perceber só, como se tivesse andando por uma floresta escura e tivesse a sua voz interior como guia.

Caminhar pela floresta escura ao encontro de si mesma, é uma passagem do conto Vasalisa, resgate da intuição como iniciação. Na análise desse conto por Clarissa Pinkola Estés, um passo importante na iniciação da intuição da mulher é deixar morrer a “mãe boa demais”. Isso representa um ato refletir sobre o que é necessário deixar ir para que o outro ao qual a mulher cuida possa crescer e desenvolver sozinho.

Eu trabalho com muitas mulheres e percebo uma grande dificuldade nessa fase. Viemos num contexto cultural onde a mulher faz muito, recebe menos e precisa se sacrificar pelos filhos e família, senão é considerada egoísta.

Com isso, a balança da ajuda fica descompensada e a mulher se colocando em 2º, 3º, 4º plano. Ela foi ensinada que deve fazer primeiro para os outros, e depois para ela. E essa hora parece nunca chegar.

Vivemos uma distorção do conceito de ajuda, como também um afastamento dos ciclos de morte e vida. Antigamente,  a vida mudava e nós também.

Ouço muito essas frases:

“Até que ponto ajudar os filhos?”

“Me sinto presa, parece que só vivo para os filhos e não tenho espaço e tempo pra mim.”

“ Estou num relacionamento que não existo”

Vamos conversar sobre ajuda. Segundo Bert Hellinger, fundador das constelações familiares. As constelações são estruturadas no conceito junguiano de inconsciente coletivo, onde as informações de vivências ficam armazenadas em nódulos arquetípicos.

“O arquétipo da ajuda é a relação entre pais e filhos, principalmente entre a mãe e o filho. Os pais dão, os filhos tomam. Os pais são grandes, superiores e ricos; os filhos pequenos, necessitados e pobres. Entretanto, porque pais e filhos estão ligados por um profundo amor mútuo, o dar e o tomar entre eles podem ser quase ilimitados. Os filhos podem esperar quase tudo de seus pais. Os pais estão dispostos a dar quase tudo aos seus filhos. Na relação entre pais e filhos as expectativas dos filhos e a prontidão dos pais para atendê-las são necessárias e, por isso, estão em ordem.

Entretanto, estão em ordem enquanto os filhos ainda são pequenos. Com o avançar da idade, os pais vão colocando limites aos filhos, com os quais estes podem entrar em atrito e dessa forma, amadurecendo. Seriam esses pais menos amorosos com os seus filhos? Seriam pais melhores se não colocassem limites? Ou provam ser bons pais justamente porque exigem de seus filhos algo que os prepara para uma vida de adultos?

Muitos filhos ficam, então, com raiva de seus pais porque preferem manter a dependência original. Contudo, justamente porque os pais se retraem e desiludem essas expectativas, ajudam seus filhos a se libertarem dessa dependência e, passo a passo, a agirem por própria responsabilidade. Somente assim os filhos tomam o seu lugar no mundo dos adultos e se transformam de tomadores em doadores.” Bert Hellinger, Ordens de Ajuda

E a grande barreira se dá quando a mãe não consegue lidar com a raiva, a incompreensão do filho, sem saber que essas emoções são naturais e fazem parte do movimento de desilusão. Lidar com esse estado, se sentir confusa por não saber se está agindo “certo”, sentir uma certa culpa, fazem parte e esses sentimentos se amenizarão quando sentir com a intuição aquilo que é “correto” e isso não significa que é seguro ou que não sentirá o impacto desses sentimentos. E correto é simplesmente o que a mãe entende o que deve ser feito, do fundo do coração. Logo, não existe regra ou fórmula mágica, o importante é confiar em si e sustentar a pressão de medos e inseguranças.

Outro fator que trava esse processo de deixar ir a “mãe boa demais” é o conceito de que os filhos devem gratidão aos pais e esse conceito está deturpado quando gratidão envolve fazer algo em troca. Quando os pais pensam que os filhos devem fazer algo por eles porque acreditam que “eu fiz tanto por eles”, estão adotando uma postura que aprisiona, tanto eles mesmos, que olham os filhos num estado de dívida, quanto os filhos, que ficam aprisionados por uma chantagem emocional inconsciente.

“Os pais dão, os filhos tomam.” Essa á a ordem natural e quando crescem, os pais devem resignificar esse processo, mas não inverter. Os filhos podem agora serem no mundo e darem de si para o mundo e para formarem sua nova família ou história. Essa consciência é libertadora.

Para a mulher se abrir para o novo na vida, precisa deixar morrer o que tem para morrer. Esse é um dos saberes da mulher intuitiva, reconhecer que vivemos ciclos de vida e morte, como na natureza, movimento tão necessário para a evolução e crescimento de todos.

Gostou desse texto, me conta, qual a sua dificuldade no processo de deixar morrer o que tem que morrer?

Bia Rossi

Pesquisadora, terapeura Bodytalk

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